sábado, 5 de abril de 2008

O elo perdido

Para a pesquisadora Mary Evelyn Tucker, o ser humano precisa se lembrar de que ainda faz parte da natureza

Maria Zulmira de Souza

A americana Mary Evelyn Tucker é uma estudiosa das religiões orientais, como confucionismo, budismo e hinduísmo. Já escreveu diversos livros em que procura retraçar as ligações entre religião e ecologia e a busca pelo equilíbrio entre as exigências de uma vida moderna e a preservação da natureza. Coordena – junto com John Grim,um pesquisador das culturas nativas da América do Norte, com quem está casada há 28 anos, mantendo uma relação de companheirismo intelectual e vida conjugal – o Fórum de Religião e Ecologia, um canal mundialmente famoso de debates sobre o tema.

Através do recheado portal www.religionandecology.com, de inúmeras publicações e seminários no Centro de Estudos das Religiões do Mundo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos,Mary busca reconectar o homem aos valores sagrados do mundo natural.Acredita que depois de se afastar do destino do homem na Terra, dando preferência ao Céu, as principais religiões ocidentais podem ter desempenhado um papel decisivo na mudança como a humanidade se relaciona com o planeta.

Mary (acompanhada de John) esteve no Brasil no último mês de julho, participando do fórum Religião, Ciência e Ambiente, na Amazônia, promovido pela Patriarca da Igreja Ortodoxa Grega Bartolomeu Primeiro.


Você acha que vivemos uma crise ética?
Acho que há uma enorme crise ética relacionada ao meio ambiente. Estamos mudando o padrão da evolução natural para sempre, com a extinção de espécies, a alteração do ciclo das águas, das chuvas, como acontece na Amazônia atualmente. Isso é irreversível. Precisamos relembrar que fazemos parte desse processo da natureza. É uma crise moral e isso é muito aflitivo. As mudanças climáticas ilustram isso muito bem. O que vai acontecer aqui na Amazônia ou na Indonésia? É um grande pesar, mas os Estados Unidos, com 4% da população mundial, usam 25% dos recursos naturais do planeta. As pessoas ao redor do mundo querem transformações e lideranças morais.


Há uma mudança na maneira como algumas religiões encaram a natureza?
As religiões estão emergindo para uma fase ecológica. A crise que estamos vivendo chama as religiões a isso, a reexaminar suas doutrinas, práticas e rituais e reconfigurá-los para o mundo moderno. O diálogo ambiental das tradições religiosas já está ocorrendo, como no Parlamento das Religiões em Chicago, em 1993, na África do Sul, em 1999, nas fortes indicações do patriarcado da Igreja Ortodoxa Grega, entre outras manifestações.


Dá para afirmar que estamos afastados da natureza?
Acho que há muitas razões para estarmos separados do mundo natural. Em parte porque a ciência quer estudar a natureza objetivamente. Em parte por conta da explosão populacional para mais de 6 bilhões de pessoas em apenas um século. Essa alienação da natureza caracterizou especialmente o século 20, com uma sucessão de guerras, revoluções e mudanças. Passamos de um período de 10 mil anos de história vivendo em pequenas comunidades próximas aos rios na África, Ásia e América Latina para uma explosão de cidades. Essa é uma imensa mudança em nossa psique, em nosso espírito.


É possível ser religioso mesmo sem ter uma religião específica?
Para mim é possível ser espiritualista sem estar ligado a uma religião ou fé específica. Acho que a maior parte do movimento ambientalista se inspirou, como John costuma dizer, num senso de beleza, de complexidade e integração com a própria natureza. É ver uma semente, uma planta, uma flor ou a nós mesmos como uma parte microscópica de algo muito maior, do macrocosmo, do sistema solar ou até do Universo. Podemos tomar como exemplo que a maior parte das pessoas sente-se renovada e restaurada ao ver um pôr-do-sol, ao estar na praia, na montanha. Isso vai nos ajudar no movimento ambiental, se pensarmos de maneira mais cuidadosa.


Como foi a experiência de conhecer a Amazônia?
Extraordinária. É impressionante o tamanho, a escala, a diversidade e a serenidade dos trechos de rio que percorremos nos pequenos barcos. É lindo. Por outro lado, ver diretamente os problemas das comunidades locais, dos povos indígenas, os imensos campos de soja e a destruição que está acontecendo nos últimos anos – tudo isso é muito perturbador.


Há uma receita pessoal para estar em equilíbrio com a natureza?
Todos nós estamos em busca da nossa receita. Todos nós estamos em busca dessa intimidade, desse senso de pertencer a uma comunidade, buscando um caminho de volta à comunidade terrestre. Eu digo isso de uma maneira muito prática também. Naturalmente considero que fazemos parte de uma história maior, que somos feitos da mesma matéria que compõe o Universo, os mesmos materiais que estão no nosso corpo estão nas estrelas, por exemplo. Compreendendo essa conexão em larga escala, isso me equilibra e me inspira. Nós procuramos esse alimento que nos energize e nós queremos esse alimento conectado ao mundo natural. E num sentido queremos água pura para beber. E tem o fogo. O Brasil tem uma música que traz o sentido do fogo, você sente fogo quando as pessoas se cumprimentam. É o fogo da música, da intimidade, do cumprimento, do beijo, do abraço. Acho que o Brasil pode nos ajudar a achar esse novo equilíbrio.

Você e John são casados, têm as mesmas preocupações e se dedicam ao mesmo tema. Como é trabalhar juntos?
Isso não seria possível se não tivéssemos compromisso com uma visão mais ampla, com uma parceria. Sou muito grata por ter um companheiro que compartilhe esse compromisso. Ele trabalha mais com as religiões indígenas, e eu com as orientais. Aprendemos muito um com o outro.


Fonte: Vida Simples


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