segunda-feira, 31 de março de 2008

Diálogo entre cristãos e muçulmanos visto com olhos de mulher

Sejamos honestos: não entendo realmente como eu, enquanto mulher muçulmana, estou oprimida, confessa Lejla Demiri, teóloga islâmica e estudante de teologia na Universidade Pontifícia Gregoriana de Roma.

Lejla aceitou falar com Zenit claramente sobre como ela, como mulher muçulmana, vê o cristianismo e o Islã, o diálogo entre crentes das duas religiões.

O Islã não é uma religião violenta nem opressiva com a mulher, declara esta jovem que estudou teologia muçulmana na Universidade e Marmara, em Istambul e é candidata ao doutorado nesta instituição.

Zenit - Por que veio uma jovem teóloga muçulmana estudar teologia cristã em Roma?
Demiri: Comecei minha pesquisa acadêmica com uma conexão muito direta com o cristianismo. O melhor lugar para estudar teologia cristã era sem dúvida Roma. Talvez se perguntará o que é que me levou a decidir-me a pesquisar o cristianismo. Creio que a razão é simples, e responde a meu passado, a minha trajetória.
Venho da Macedônia, onde os cristãos ortodoxos e os muçulmanos convivem na mesma sociedade. Passei muito tempo na Croácia, de maioria católica. Assim, pois, quando vejo meu passado, encontro facilmente a resposta à pergunta de por que estou em Roma. Depois de meus estudos em teologia muçulmana em Istambul decidi submergir-me no estudo da teologia cristã, e o melhor lugar era Roma, obviamente.
À parte do trabalho acadêmico e da pesquisa na Universidade Gregoriana, tive a oportunidade de viver em uma comunidade cristã, na Lay Center Del Foyer Unitas, e de compartilhar a vida cotidiana com amigos cristãos que me ajudaram a aprofundar em vários aspectos do cristianismo, especialmente em suas dimensões espirituais.
O que hoje chamamos diálogo da vida me permitiu ter uma perspectiva mais ampla da vida cristã e sua espiritualidade.
Como resultado de minha experiência, posso dizer que para aprender e pesquisar uma religião não se pode esquecer que há que viver e conhecer as pessoas que pertencem a ela, já que muito com freqüência aprendemos pequenos detalhes que não encontraríamos nunca nos livros.

Zenit - Como mulher muçulmana, que crê que é mais complicado no diálogo entre o Cristianismo e o Islã?
Demiri: Antes de tudo, eu não falaria de diálogo entre Cristianismo e Islã, mas de diálogo entre cristãos e muçulmanos.
Trata-se de gente que dialoga, de membros das duas religiões e não das religiões como tais.
Como mulher muçulmana, creio que se dá uma necessidade especial da contribuição feminina ao diálogo.
Apesar de que não queria parecer discriminatória, sustento que a dimensão feminina precisa e pode acrescentar aspectos positivos para reforçar o diálogo, especialmente o diálogo cotidiano, ou, em outras palavras, ao diálogo da vida.
O campo das discriminações é um dos principais problemas que encontramos neste panorama. Contudo, diria que a primeira condição para o diálogo consiste no conhecimento mútuo.
Pode-se ver com clareza que muitas inimizades e hostilidades são produto de uma falta de conhecimento e de ignorância. Posso pôr o exemplo de uma das discriminações e da desinformação que vemos com freqüência. Lamentavelmente vemos mulheres muçulmanas nos meios de comunicação associadas a duas palavras negativas: discriminação e opressão.
Quando ouço estas distorções e generalizações simplistas, vejo-me e me pergunto de que maneira estou oprimida. Sejamos honestos: não entendo realmente como eu, como mulher muçulmana, estou oprimida. Algumas pessoas provavelmente verão o véu que levo na cabeça e pensarão que é um símbolo de opressão. O que eu posso dizer é que ninguém me obriga a colocá-lo. Levo-o por própria iniciativa livre e como submissão a minha fé e por vontade de Deus.
Uma vez mais repetiria que a mútua abertura para aprender uns dos outros nos ajuda a lutar contra as discriminações, e através da tolerância e respeito nos levará a uma melhor compreensão comum.

Zenit - Como explica que o Islã não é violento?
Demiri: Uma vez mais, tristemente vemos nos meios de comunicação que o Islã é comparado ao terrorismo, e os muçulmanos se associam aos terroristas.
Este fato realmente distorce e obscurece a realidade, e cria discriminações errôneas. Como muçulmana, pensando em paz e religião, sempre me recordo do significado do Islã neste contexto. Islã significa submissão a Deus, e deriva da raiz árabe s-l-m que significa paz.
E mais, Salâm significa paz e é um dos 99 nomes de Deus na tradição muçulmana. Cada muçulmano termina sua quinta oração do dia com esta oração breve: Oh Deus, Tu és paz, e de Ti vem a paz».
Também, em um de seus ditos, o profeta Maomé notifica que não entrareis no céu se não creres, e não sereis autênticos crentes se não vos amais uns aos outros. Assim, pois, o Islã se pode identificar como uma religião de paz, já que adverte a seus aderentes que não há um cumprimento real da fé e da crença sem observar e promover a paz entre os povos.
Sobre este tema queria dizer que um dos elementos essenciais na compreensão mútua, e no diálogo é evitar todo tipo de generalizações, porque hoje não há nenhuma religião que seja monolítica. Cada uma delas contém em si mesma uma variedade de idéias e de interpretações. Em outras palavras, sempre há pluralidade na auto-compreensão de cada tradição e cultura. Por exemplo, há muitas diferenças entre cristãos que vivem em uma parte ou outra do mundo, e o mesmo com muçulmanos que pertencem a distintas geografias.
Não tem sentido tomar um problema de país concreto e associá-lo ao Islã ou ao cristianismo sem vê-lo em conexão com elementos políticos, sócio-econômicos, étnicos ou outros. Em conseqüência, em vez de fazer generalizações sobre as pessoas de uma certa religião, apresentando um quadro monolítico, temos de ver a variedade e a diversidade como fatores a ter em conta.
As etiquetas estritas, as categorias e os estereótipos sobre os outros nos criam mal-entendidos e discriminações.

Zenit - Como imagina seu futuro depois de Roma?
Demiri: Meu plano ideal sobre o futuro é ensinar e contribuir como acadêmica à promoção do diálogo inter-religioso entre muçulmanos e cristãos.
Espero que os estudos que comecei em teologia muçulmana e cristã, minha trajetória, e minhas experiências de vida me ajudem a completar estes planos futuros.

Fala Lejla Demiri, muçulmana da Macedônia e teóloga em Roma
Fonte: http://stacecilia.org.br/materias/materia315.htm

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