sábado, 5 de abril de 2008

Diálogo e ecologia. A teologia teoantropocósmica de Leonardo Boff.

BAPTISTA, Paulo Agostinho Nogueira. Diálogo e ecologia. A teologia teoantropocósmica de Leonardo Boff. Orientador: Dr. Faustino Luiz Couto Teixeira. Juiz de Fora/MG, UFJF/Ciência da Religião – área de concentração: Diálogo Inter-religioso, 2001 – Dissertação de Mestrado.

A sensibilidade religiosa, tão sedimentada no coração humano, em todas as culturas e civilizações, depois de ter sido considerada em declínio, por alguns, no embate com a secularização, faz-se mais presente do que nunca. Expressa-se de mil formas e manifesta toda a riqueza metafísica que o desejo humano é capaz de produzir, reagindo às inúmeras faces do Mistério presente na beleza, na bondade e na verdade. E essa sensibilidade apresenta-se também como reação aos problemas e à crise global que o mundo todo vive. Daí nasce um grande desafio: o diálogo inter-religioso e uma conseqüente Teologia das Religiões.

A ecologia, por outro lado, representa, hoje, a preocupação fundamental, que não fica mais restrita aos grupos de ambientalistas ou aos herdeiros da sensibilidade de Francisco de Assis. Tornou-se uma questão mundial central, pois os relatórios de especialistas, ou mesmo a constatação empírica, revelam que a casa-comum - a mãe-Terra - está doente e sofre junto com seus filhos as conseqüências do modelo de exploração e de desenvolvimento que, há séculos, predomina em quase todos os lugares, ganhando enorme proporção, neste mundo globalizado.

Diálogo e Ecologia, duas questões que se articulam e expressam a emergência de uma consciência ao mesmo tempo ecológica e dialogante. A ecologia sai do nicho ambientalista e torna-se assunto e tarefa de todos. O diálogo inter-religioso deixa de ser preocupação só de teólogos ou religiosos dirigentes e passa para a agenda política e pedagógica. Duas grandes áreas da reflexão ganham atualidade e urgência: Teologia das Religiões e Ecologia.

A pesquisa sobre essa articulação encontrou na teologia de Leonardo Boff, a partir do paradigma ecológico, a possibilidade de se cumprir um dos grandes desafios da atualidade: promover o encontro, o dialogação espiritual, fraterna e ética, gerando a re-ligação e a dialogação de todos com todos, verdadeiro diálogo teoantropocósmico.

Três capítulos buscam dar estrutura à dissertação. O primeiro concentra-se em construir o marco teórico, que servirá de fundamento para a análise da teologia de Boff. Buscando-se o apoio da categoria paradigma de Thomas Kuhn (sentido sociológico e filosófico) e na sua aplicação própria ao campo teológico, do excelente trabalho de Hans Küng, pode-se analisar a mudança operada na teologia de Boff, concluindo-se que, efetivamente houve uma mudança de paradigma. Mesmo sendo um autor de grande produção teológica, que escreveu sobre diversos tratados, e mesmo apresentando as continuidades presentes no atual estágio teológico de seu trabalho, suas descontinuidades não deixam dúvida: o paradigma ecológico representa uma mudança paradigmática, uma grande transformação, uma mudança de macroparadigma: a ecologia.

Para tornar compreensível essa virada teológica a categoria cosmoteândrica (Raimon Panikkar), neste trabalho assumida ecologicamente e criticamente (andrós x anthrôpos) como teoantropocósmica, foi importante, pois ofereceu inteligibilidade à nova construção teológica pericorética de Leonardo Boff.

E a articulação de toda mudança se deu na concepção de ecologia. Essa concepção, em Leonardo, revelou-se e se revela hoje, profundamente libertadora, pois transcende às visões parciais e redutoras, buscando integrar todos os aspectos e sujeitos da realidade. Assim, ambiente, sociedade, política, economia, mente, ética e espiritualidade e todas as dimensões humanas devem ser transformadas pela nova centralidade: o inter-relacionamento e o cuidado com tudo que mantém e garante a Vida.

O sujeito e o lugar teológico se ampliam. Não só o ser humano tem subjetividade, ela é estendida à natureza, ao cosmos todo. O fazer teológico mantém-se fundamentalmente preocupado com a luta pela Vida, mas de todos e de todas as formas. Assim, a grande intuição e contribuição teológica latino-americana permanece com toda a vitalidade e pode continuar testemunhando o Ressuscitado. A práxis eclesiológica de rede-de-comunidades-de-base , democrática e inclusiva, continua a se apresentar como a resposta atual e universalizável da utopia do Reino transfigurado, a Ressurreição. Garante o testemunho sacramental da comunhão trinitária e se abre aos sinais dos tempos, assumindo sua tarefa de ser sinal da dimensão crística cósmica, anunciando que a Vida vence.

Essa teologia foi qualificada como teoantropocósmica, articulando a concepção de Deus (resgatando o Panenteísmo, a Pneumatologia, a Cristologia cósmica e a Trindade cósmica) de ser humano (nó-de-relações) e de mundo (a cosmologia do jogo, da complexidade que se apresenta una na diversidade de formas) numa relação de uma pericórese recíproca.

Como teologia teoantropocósmica, a teologia de Leonardo Boff surge como verdadeira Teologia das Religiões, oferecendo perspectivas teóricas e praxísticas para o diálogo inter-religioso.

Teoricamente, o conceito teoantropocósmico oferece a base para o inter-relacionamento, o encontro e o diálogo, pois resgata a experiência originária, garantindo um patamar universal, o estar-com-o-outro na sua ex-sistência, e chamando todos a descobrir a imensa vida que se articula de mil formas e em todos os seres. Aqui, o diálogo se estende da ciência, em suas últimas descobertas, às pessoas e comunidades que não perderam a sensibilidade pelo Sentido Último e que são capazes de contemplá-lo numa flor, numa criança, num inocente que sofre.

Mas a teologia teoantropocósmica também se apresenta como práxis, fiel à sua origem latino-americana. Práxis que nasce da mística e a ela retorna, mas que se encarna e transparece no encontro existencial nascido do choque das diversas situações de vida e da realidade. Aqui, inaugura-se a realização do sonho do encontro: uma fraternidade cósmica que não tem pátria, classe, gênero, faixa etária, situação política ou religiosa. É a ação de re-construir a família cósmica. Essa re-construção tem como referência um novo ethos alicerçado na compaixão e no cuidado. A práxis, portanto, também se mantém fiel ao sentido pericorético teoantropocósmico: mística, fraternidade e ética se implicam mutuamente, todo o tempo.

Por fim, a teologia de Leonardo Boff, no paradigma ecológico, representa para a Teologia das Religiões um paradigma denominado neste trabalho de inclusivismo sui generis, teoantropocósmico. Esse inclusivismo é garantido pela centralidade ontológica que Jesus Cristo tem na visão teológica de Leonardo Boff. O mistério pascal inaugura uma mudança ecológica qualitativa: a consciência da filiação divina; e abre o ser humano e o cosmos ao verdadeiro sentido: espelhar o Mistério de Comunhão Trinitária. Jesus Cristo Cósmico é modelo para o ser humano, a plena consciência e a máxima proximidade de Deus à humanidade, mas também, pela Ressurreição é o horizonte que transforma e transfigura tudo, que abre a todos e a tudo a participação e integração em Deus. Realiza-se, assim, o grande encontro, a total dialogação, a plena re-ligação cósmica.

E a conclusão é, portanto, que Leonardo Boff oferece uma teologia cristã aberta, que dialoga e conclama ao diálogo. Inclui e reúne todos em torno da Fonte que gera a vida. É uma teologia que se aprofunda na mística, convoca à encarnação e chama a todos a assumirem sua filiação ao Mistério Inefável, superando as diferenças, ao mesmo tempo se enriquecendo delas, realizando o diálogo ecológico e expressando a unidade pericorética teoantropocósmica.

Diálogo e Ecologia apresentam-se, portanto, como uma reflexão profundamente atual, indicando uma forma de responder teológica e praticamente à urgência, diante dos desafios por que passam a humanidade e o sistema Terra. Que essa reflexão estimule a continuação da pesquisa e possa se somar à luta de todos aqueles que buscam construir um mundo reconciliado, lugar do encontro teoantropocósmico e da dia-fania de Deus, origem, fonte e sentido de onde jorra todo mistério da vida.

Fonte: Instituto Teológico Franciscano

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