terça-feira, 22 de abril de 2008

O Deus de todos os nomes e o diálogo inter-religioso (I)



Michel Amaladoss



Um outro mundo é possível. Mas só é possível através de uma transformação deste mundo. Tal transformação implica a libertação integral dos seres humanos e do mundo, a qual não pode acontecer sem transformação nos campos das culturas e religiões. 

Mas a transformação das religiões é complexa. As religiões tendem a ser tanto legitimadoras quanto proféticas. em sua tentativa de tornar-se relevantes para uma situação particular. as religiões contextualizam-se em termos sociais e políticos. Elas justificam estruturas econômicas e sócio-políticas existentes. O sistema de castas na Índia, a escravidão e o aparthaid, bom como desigualdades socioeconômicas, têm sido justificadas dessa maneira. Ao mesmo tempo, em nome de valores mais profundos ou do Transcendente que testemunham, elas também desafiam ou contestam as pessoas, suas condições de vida e estrutura para que mudem.

Nesse sentido, toda religião tem características tanto opressoras quanto libertadoras. Elas podem estar representadas por grupos diferentes dentro delas. As intituições tendem a ser conservadoras, ao passo que pessoas e movimentos carismáticos tendem a ser proféticos. As dimensões proféticas e libertadoras das religiões procuram refazer o mundo. São animadas pela esperança. Elas não só afirmam que um novo mundo é possível, mas pretendem oferecer formas para alcançá-lo. O hinduísmo busca liberdade do fardo do ciclo de nascimentos neste mundo promovendo a ação justa sem apego. O budismo procura transcender uma vida de sofrimento extirpando o desejo ou o apego. O cristianismo busca a libertação do pecado e de suas estruturas opressoras pelo amor e serviço desinteressado para com os outros. O islamismo visa a promover a justiça e a comunidade universal pela obediência à lei de Deus.

Poder-se-ia pensar que essas religiões podem colaborar naq libertação das pessoas de seus sofrimentos neste mundo e na introdução de um mundo novo. Porém, se lançar-mos um olhar sobre o mundo, veremos que as religiões, na verdade, parecem fazer parte do problema. Focos de tensão como o Iraque, a Palestina, a Bósnia, a Irlanda do Norte, o Sudão, a Caxemira, as Filipinas, a In donésia e até a Tailândia apontam para tensões inter-religiosas subjacentes, que criam uma atmosfera de temor autodefensivo.

O pluralismo religioso, portanto, não é meramente um fato, mas um problema. Para as religiões metacósmicas, ele não é simplesmente um problema social e político; é também um problema religioso, se elas se concebem como a única religião verdadeira. Entre os cristãos, entretanto, tem havido uma avaliação cada vez mais positiva de outras religiões e um desejo de dialigar e colaborar com elas na construção de um mundo novo.

Essa nova perspectiva teológica ainda não conseguiu ampla aceitação, ao menos em círculos oficiais, e ainda necessita ser explicada e defendida. Mas ela é crucial para quaisquer esforços que pretendam construir um mundo novo. Eu proporia que todas as religiões precisam desenvolver tal perspectiva positiva para com outras religiões. Antes de esboçar essa nova teologia, vamos examinar, mais atentamente, a situação que a fez surgir. Afinal, toda teologia é contextual.


Michel Amaladoss é um jesuíta indiano. Diretor do Instituto para o Diálogo com Culturas e Religiões em Chennai. Professor no Vidyajyoti College of Theology, em Delhi. Autor de livros e artigos.

Esse texto faz parte do livro Teologia para Outro Mundo Possível, São Paulo, Ed. Paulinas, 2006, pp 373 a 391; organizado por Luiz Carlos Susin.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Diversidade religiosa


Tome os principais textos sagrados de cinco das maiores religiões no mundo: Cristianismo, Islamismo, Hinduísmo, Budismo e Judaísmo. Um total de 2.903.611 palavras. Agora, utilize uma dádiva da ciência e tecnologia, um programa de computador (de código aberto, evidente!), e faça-o analisar a montanha de dados e produzir um gráfico visual com as palavras mais utilizadas em tais textos, suas ligações, mais comuns e os verbos que as seguem. O resultado é “Similar Diversity”, um projeto de Philipp Steinweber e Andreas Koller.

Sem muita surpresa, “Senhor”, “Deus” e “Você” são as palavras mais comuns, estando presentes em todas as cinco religiões. “Alá”, “Indra”, “Moisés” e “Davi” também figuram bastante, embora apenas em algumas. Há uma conexão forte entre você, Deus e Senhor, mas curiosamente a ligação entre Deus e Senhor é a mais intensa de todas.

Talvez mais do que a Trindade, a Dualidade seja o grande segredo da religião secreta que domina o mundo. Algo que me surpreendeu é que aparentemente, o termo “você” é mais usado nas escrituras do hinduísmo (amarelo) do que no cristianismo (roxo). Como os próprios autores notam, o uso do termo “você” está associado a ordens e indicações sobre o comportamento do leitor.

O verbo mais usado depois de “Deus” e “Senhor” é “has”, ou “ter”, mas acredito que isto possa ser resultado da língua inglesa utilizar tal verbo em conjunto com outros, no infinitivo. O segundo verbo mais associado com deus e senhor é… “é”. “Deus é amor”, por exemplo.

Em outras épocas, um trabalho assim poderia gerar uma nova religião em si mesma. Incontáveis vertentes do hinduísmo, budismo e afins surgiram enquanto monges estudavam todos os manuscritos religiosos disponíveis e tentavam sintetizar um significado único, ou mesmo uma essência primordial que teria se perdido com o tempo. No budismo, tais monges criavam por vezes mesmo mandalas para representar as sínteses a que chegavam, não muito distantes do gráfico acima.

Parafraseando uma péssima citação para que fique ainda pior, poderíamos dizer que “Se deus não existisse, os computadores poderão inventar um para nós”.

Retirado do Blog 100nexos.com

Intolerância Religiosa I

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Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (II)

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Diversidade Religiosa e Direitos Humanos (I)

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Aqui está o melhor da raça humana!

Esta frase foi pronunciada por um jornalista na transmissão da abertura das Olimpíadas na Austrália. Na hora, tive um arrepio. Depois, um constrangimento. Envergonhei-me pelo comentarista, pela sua família, pela minha família, pelos brasileiros, pela humanidade que está viva neste setembro de 2000.

Humanidade que tem dificuldades em se reconhecer como é. Cada pessoa é um pacote indivisível de talentos e de limitações combinados em proporções variáveis em função das oportunidades que a vida traz desde a concepção. Jovens, adultos e idosos são mais ou menos talentosos, ou limitados, dependendo dos recursos que o meio ambiente oferece.


Outro dia cheguei com uma amiga cega no quarto de um hotel no qual nunca havíamos entrado. Mal destranquei a porta ela caminhou pelo recinto com segurança, abriu o armário com uma agilidade espantosa. E eu lá, parada, tateando para encontrar o interruptor na parede. Falei, num lapso (e que lapso!): "Espera, está escuro, deixa eu acender a luz" . Minha amiga riu. "Quem precisa de luz aqui é você".

Nada contra as Olimpíadas. Sou contra o "mau uso" das Olimpíadas. Devemos nos contentar com interpretações capengas sobre o que é, dizem, a maior confraternização do planeta? A tecnologia que nos permite acompanhar com boa definição o que acontece na Oceania evolui com tal rapidez que nem encontro mais um bom adjetivo para descrevê-la. Os atletas que nos emocionam se superam dia-a-dia testando de forma disciplinada seus limites. Por que não seguir o mesmo ritmo no que tange às nossas reflexões humanísticas? Mas não, ligamos a televisão e lá está o comentário velho, antigo, não-holístico, não-inclusivo.

Acreditar que na Olimpíada está o melhor da raça humana é acreditar que existe o pior da raça humana. Levando em conta que os atletas aproximam-se do ideal de saúde, beleza, bom preparo físico etc, quero saber quem representa o pior da raça humana. Os que nascem com alguma deficiência mais visível? Uma síndrome genética, como a de Down ou de Williams? Crianças que têm doenças renais crônicas e que se desenvolvem muito lentamente? Ou que foram ostomizadas em decorrência de câncer, bala perdida, acidente de carro, queda de laje? Ou que, pelas mesmas razões, ficaram tetraplégicas ou surdas?

Tenho notado: não é exato dizer que indivíduos nessas condições não entram na concepção do social de nossa sociedade. Entram, mas entram acuados, em um espaço delimitado que lhes cabe por generosidade ou por concessão, formas tão sutis de autoritarismo. É o lugar do aborígene da Austrália, apontado e filmado pelas televisões de mundo como o exótico-bem-vindo-e-agora-amado nas arquibancadas dos jogos em Sidney neste ano de 2000. É o lugar de quem assiste, mas não participa. É o lugar de quem cria, mas não tem o crédito autoral. É o lugar da visita para a qual arrumamos a casa, fazemos um bolo, colocamos roupa nova, mas de quem esperamos educação suficiente para não invadir nossa intimidade. Mas essa intimidade é justamente o social!

O jornalista que citei não agiu por mal. Apenas, nos seus comentários, refletiu uma sociedade pretensiosa e incapaz de perceber a deficiência como questão humana. Por isso, tenhamos um pouco mais de cuidado ao falar sobre gente. Fácil ser ético quando abordamos o igual, o parecido, o homogêneo, o padrão, o desejável. Difícil ser ético diante da diversidade humana, que é, queiramos ou não, a característica mais típica da sapiens espécie. Quero ter de nossos comentaristas o orgulho que tenho de nossos atletas. Olimpíadas existem para agregar e não para segregar condições humanas.


Claudia Werneck, jornalista, escritora e diretora-executiva da Escola de Gente
(Artigo publicado no Jornal do Brasil em setembro de 2000)

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (V)

EDUCAÇÃO NÃO-FORMAL

Concepção e princípios

A humanidade vive em permanente processo de reflexão e aprendizado. Esse processo ocorre em todas as dimensões da vida, pois a aquisição e produção de conhecimento não acontecem omente nas escolas e instituições de ensino superior, mas nas moradias e locais de trabalho, nas cidades e no campo, nas famílias, nos movimentos sociais, nas associações civis, nas organizações não-governamentais e em todas as áreas da convivência humana.

A educação não-formal em direitos humanos orienta-se pelos princípios
a emancipação e da autonomia. Sua implementação configura um permanente processo de sensibilização e formação de consciência crítica, direcionada para o encaminhamento de reivindicações e a formulação de propostas para as políticas públicas, podendo ser compreendida como:

a)
qualificação para o trabalho;
b) adoção e exercício de práticas voltadas
para a comunidade;
c) aprendizagem política de direitos por meio da participação
em grupos sociais;
d) educação realizada nos meios de comunicação
social;
e) aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em modalidades
diversificadas; e
f) educação para a vida no sentido de garantir o
respeito à dignidade do ser humano.

Os espaços das atividades de educação não-formal distribuem-se em inúmeras dimensões, incluindo desde as ações das comunidades, dos movimentos e organizações sociais, políticas e nãogovernamentais até as do setor da educação e da cultura. Essas atividades se desenvolvem em duas vertentes principais: a construção do conhecimento em educação popular e o processo de participação em ações coletivas, tendo a cidadania democrática como foco central.

Nesse sentido, movimentos sociais, entidades civis e partidos políticos praticam educação nãoformal quando estimulam os grupos sociais a refletirem sobre as suas próprias condições de vida, os processos históricos em que estão inseridos e o papel que desempenham na sociedade contemporânea.

Muitas práticas educativas não-formais enfatizam a reflexão e o conhecimento das pessoas e grupos sobre os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais. Também estimulam os grupos e as comunidades a se organizarem e proporem interlocução com as autoridades públicas, principalmente no que se refere ao encaminhamento das suas principais reivindicações e à formulação de propostas para as políticas públicas.

A sensibilização e conscientização das pessoas contribuem para que os conflitos interpessoais e cotidianos não se agravem. Além disso, elevase a capacidade de as pessoas identificarem as violações dos direitos e exigirem sua apuração e reparação.

As experiências educativas não-formais estão sendo aperfeiçoadas conforme o contexto histórico e a realidade em que estão inseridas. Resultados mais recentes têm sido as alternativas para o avanço da democracia, a ampliação da participação política e popular e o processo de qualificação dos grupos sociais e comunidades para intervir na definição de políticas democráticas e cidadãs.

O empoderamento
dos grupos sociais exige conhecimento experimentado sobre os mecanismos e instrumentos de promoção, proteção, defesa e reparação dos direitos humanos. Cabe assinalar um conjunto de princípios que devem orientar as linhas de ação nessa área temática. A educação não-formal, nessa perspectiva, deve ser vista como:

a) mobilização e organização de processos participativos em defesa dos direitos humanos de grupos em situação de risco e vulnerabilidade social, denúncia das violações e construção de propostas para sua promoção, proteção e reparação;

b) instrumento fundamental para a ação formativa das organizações populares em direitos humanos;

c) processo formativo de lideranças sociais para o exercício ativo da cidadania;

d) promoção do conhecimento sobre direitos humanos;

e) instrumento de leitura crítica da realidade local e contextual, da vivência pessoal e social, identificando e analisando aspectos e modos de ação para a transformação da sociedade;

f) diálogo entre o saber formal e informal acerca dos direitos humanos, integrando agentes institucionais e sociais;

g) articulação de formas educativas diferenciadas, envolvendo o contato e a participação direta dos agentes sociais e de grupos populares.

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (IV)


A educação em direitos humanos é compreendida como um processo sistemático e multidimensional que orienta a formação do sujeito de direitos, articulando as seguintes dimensões:

a) apreensão de conhecimentos historicamente construídos sobre direitos humanos e a sua relação com os contextos internacional, nacional e local;

b) afirmação de valores, atitudes e práticas sociais que expressem a cultura dos direitos humanos em todos os espaços da sociedade;

c) formação de uma consciência cidadã capaz de se fazer presente em níveis cognitivo, social, ético e político;

d) desenvolvimento de processos metodológicos participativos e de construção coletiva, utilizando linguagens e materiais didáticos contextualizados;

e) fortalecimento de práticas individuais e sociais que gerem ações e instrumentos em favor da promoção, da proteção e da defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das violações.

Sendo a educação um meio privilegiado na promoção dos direitos humanos, cabe priorizar a formação de agentes públicos e sociais para atuar no campo formal e não-formal, abrangendo os sistemas de educação, saúde, comunicação e informação, justiça e segurança, mídia, entre outros.

Desse modo, a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto, mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos.

Essa concepção de educação busca efetivar a cidadania plena para a construção de conhecimentos, o desenvolvimento de valores, atitudes e comportamentos, além da defesa socioambiental e da justiça social.

Nos termos já firmados no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos, a educação contribui também para:

a) criar uma cultura universal dos direitos humanos;

b) exercitar o respeito, a tolerância, a promoção e a valorização das diversidades (étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras) e a solidariedade entre povos e nações;

c) assegurar a todas as pessoas o acesso à participação efetiva em uma sociedade livre.

A educação em direitos humanos, ao longo de todo o processo de redemocratização e de fortalecimento do regime democrático, tem buscado contribuir para dar sustentação às ações de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos, e de reparação das violações.

A consciência sobre os direitos individuais, coletivos e difusos tem sido possível devido ao conjunto de ações de educação desenvolvidas, nessa perspectiva, pelos atores sociais e pelos(as) agentes institucionais que incorporaram a promoção dos direitos humanos como princípio e diretriz.

A implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos visa, sobretudo, difundir a cultura de direitos humanos no país. Essa ação prevê a disseminação de valores solidários, cooperativos e de justiça social, uma vez que o processo de democratização requer o fortalecimento da sociedade civil, a fim de que seja capaz de identificar anseios e demandas, transformando-as em conquistas que só serão efetivadas, de fato, na medida em que forem incorporadas pelo Estado brasileiro como políticas públicas universais.

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (III)


Uma concepção contemporânea de direitos humanos incorpora os conceitos de cidadania democrática, cidadania ativa e cidadania planetária, por sua vez inspiradas em valores humanistas e embasadas nos princípios da liberdade, da igualdade, da eqüidade e da diversidade, afirmando sua universalidade, indivisibilidade e interdependência.

O processo de construção da concepção de uma cidadania planetária
e do exercício da cidadania ativa requer, necessariamente, a formação de cidadãos(ãs) conscientes de seus direitos e deveres, protagonistas da materialidade das normas e pactos que os(as) protegem, reconhecendo o princípio normativo da dignidade humana, englobando a solidariedade internacional e o compromisso com outros povos e nações.

Além disso,
propõe a formação de cada cidadão(ã) como sujeito de direitos, capaz de exercitar o controle democrático das ações do Estado. A democracia, entendida como regime alicerçado na soberania popular, na justiça social e no respeito integral aos direitos humanos, é fundamental para o reconhecimento, a ampliação e a concretização dos direitos. Para o exercício da cidadania democrática, a educação, como direito de todos e dever do Estado e da família, requer a formação dos(as) cidadãos(ãs).

A Constituição Federal Brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei Federal n° 9.394/1996) afirmam o exercício da cidadania como uma das finalidades da educação, ao estabelecer uma prática educativa “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), lançado em 2003, está apoiado em documentos internacionais e nacionais, demarcando a inserção do Estado brasileiro na história da afirmação dos direitos humanos e na Década da Educação em Direitos Humanos, prevista no Programa Mundial de Educação em Direitos Humanos (PMEDH) e seu Plano de Ação.

São objetivos balizadores do PMEDH conforme estabelecido
no artigo 2°:

a) fortalecer o respeito aos direitos humanos e liberdades
fundamentais;

b) promover o pleno desenvolvimento da personalidade
e dignidade humana;

c) fomentar o entendimento, a tolerância, a igualdade
de gênero e a amizade entre as nações, os povos indígenas e grupos raciais, nacionais, étnicos, religiosos e lingüísticos;

d) estimular a participação
efetiva das pessoas em uma sociedade livre e democrática governada pelo Estado de Direito;

e) construir, promover e manter a paz.

Assim, a mobilização global para a educação em direitos humanos está imbricada no conceito de educação para uma cultura democrática, na compreensão dos contextos nacional e internacional, nos valores da tolerância, da solidariedade, da justiça social e na sustentabilidade, na inclusão e na pluralidade.

A elaboração e implementação de planos e programas nacionais e a criação de comitês estaduais de educação em direitos humanos se constituem, portanto, em uma ação global e estratégica do governo brasileiro para efetivar a Década da Educação em Direitos Humanos 1995-2004. Da mesma forma, no âmbito regional do MERCOSUL, Países Associados e Chancelarias, foi criado um Grupo de Trabalho para implementar ações de direitos humanos na esfera da educação e da cultura.

Os Planos Nacionais e
os Comitês Estaduais de Educação em Direitos Humanos são dois importantes mecanismos apontados para o processo deimplementação e monitoramento, de modo a efetivar a centralidade da educação em direitos humanos enquanto política pública.

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (II)


Educar em direitos humanos é um desafio central da humanidade, que tem importância redobrada em países da América Latina, caracterizados historicamente pelas violações dos direitos humanos, expressas pela precariedade e fragilidade do Estado de Direito e por graves e sistemáticas violações dos direitos básicos de segurança, sobrevivência, identidade cultural e bem-estar mínimo de grandes contingentes populacionais.

No Brasil, como na maioria dos países latino-americanos, a temática dos direitos humanos adquiriu elevada significação histórica, como resposta à extensão das formas de violência social e política vivenciadas nas décadas de 1960 e 1970. No entanto, persiste no contexto de redemocratização a grave herança das violações rotineiras nas questões sociais, impondo-se, como imperativo, romper com a cultura oligárquica que preserva os padrões de reprodução da desigualdade e da violência institucionalizada.

O debate sobre os direitos humanos e a formação para a cidadania vem alcançando mais espaço e relevância no Brasil, a partir dos anos 1980 e 1990, por meio de proposições da sociedade civil organizada e de ações governamentais no campo das políticas públicas, visando ao fortalecimento da democracia.


Esse movimento teve como marco expressivo a Constituição Federal de 1988, que formalmente consagrou o Estado Democrático de Direito e reconheceu, entre seus fundamentos, a dignidadeda pessoa humana e os direitos ampliados da cidadania (civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais).

O Brasil passou a ratificar os mais importantes tratados internacionais (globais e regionais) de proteção dos direitos humanos, além de reconhecer a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
Novos mecanismos surgiram no cenário nacional como resultante da mobilização da sociedade civil, impulsionando agendas, programas e projetos que buscam materializar a defesa e a promoção dos direitos humanos, conformando, desse modo, um sistema nacional de direitos humanos.

As instituições de Estado têm incorporado esse avanço ao criar e fortalecer órgãos específicos em todos os poderes. O Estado brasileiro consolidou espaços de participação da sociedade civil organizada na formulação de propostas e diretrizes de políticas públicas, por meio de inúmeras conferências temáticas. Um aspecto relevante foi a institucionalização de mecanismos de controle social da política pública, pela implementação de diversos conselhos e outras instâncias.


Entretanto, apesar desses avanços no plano normativo, o contexto nacional tem-se caracterizado por desigualdades e pela exclusão econômica, social, étnico-racial, cultural e ambiental, decorrente de um modelo de Estado em que muitas políticas públicas deixam em segundo plano os direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.


Ainda há muito para ser conquistado em termos de respeito à dignidade da pessoa humana, sem distinção de raça, nacionalidade, etnia, gênero, classe social, região, cultura, religião, orientação sexual, identidade de gênero, geração e deficiência.
Da mesma forma, há muito a ser feito para efetivar o direito à qualidade de vida, à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, ao meio ambiente saudável, ao saneamento básico, à segurança pública, ao trabalho e às diversidades cultural e religiosa, entre outras.

Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (I)



A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1948, desencadeou um processo de mudança no comportamento social e a produção de instrumentos e mecanismos internacionais de direitos humanos que foram incorporados ao ordenamento jurídico dos países signatários.

Esse processo resultou na base dos atuais sistemas global e regionais de proteção dos direitos humanos.
Em contraposição, o quadro contemporâneo apresenta uma série de aspectos inquietantes no que se refere às violações de direitos humanos, tanto no campo dos direitos civis e políticos, quanto na esfera dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Além do recrudescimento da violência, tem-se observado o agravamento na degradação da biosfera, a generalização dos conflitos, o crescimento da intolerância étnico-racial, religiosa, cultural, geracional, territorial, físico-individual, de gênero, de orientação sexual, de nacionalidade, de opção política, dentre outras, mesmo em sociedades consideradas historicamente mais tolerantes, como revelam as barreiras e discriminações a imigrantes, refugiados e asilados em todo o mundo. Há, portanto, um claro descompasso entre os indiscutíveis avanços no plano jurídico-institucional e a realidade concreta da efetivação dos direitos.


O processo de globalização, entendido como novo e complexo momento das relações entre nações e povos, tem resultado na concentração da riqueza, beneficiando apenas um terço da humanidade, em prejuízo, especialmente, dos habitantes dos países do Sul, onde se aprofundam a desigualdade e a exclusão social, o que compromete a justiça distributiva e a paz. Paradoxalmente, abriram-se novas oportunidades para o reconhecimento dos direitos humanos pelos diversos atores políticos.

Esse processo inclui os Estados Nacionais, nas suas várias instâncias governamentais, as organizações internacionais e as agências transnacionais privadas.
Esse traço conjuntural resulta da conjugação de uma série de fatores, entre os quais cabe destacar:

a) o incremento da sensibilidade e da consciência sobre os assuntos globais por parte de cidadãos(ãs) comuns;


b) a institucionalização de um padrão mínimo de comportamento nacional e internacional dos Estados, com mecanismos de monitoramento, pressão e sanção;


c) a adoção do princípio de empoderamento em benefício de categorias historicamente vulneráveis (mulheres, negros(as), povos indígenas, idosos(as), pessoas com deficiência, grupos raciais e étnicos, gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais, entre outros);


d) a reorganização da sociedade civil transnacional, a partir da qual redes de ativistas lançam ações coletivas de defesa dos direitos humanos (campanhas, informações, alianças, pressões etc.), visando acionar Estados, organizações internacionais, corporações econômicas globais e diferentes grupos responsáveis pelas violações de direitos.


Enquanto esse contexto é marcado pelo colapso das experiências do socialismo real, pelo fim da Guerra Fria e pela ofensiva do processo da retórica da globalização, os direitos humanos e a educação em direitos humanos consagraram-se como tema global, reforçado a partir da Conferência Mundial de Viena.


Em tempos difíceis e conturbados por inúmeros conflitos, nada mais urgente e necessário que educar em direitos humanos, tafera indispensável para a defesa, o respeito, a promoção e a valorização desses direitos.