quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Aceitar a morte. Viver o luto. Abraçar a vida



A morte tornou-se um tabu em nossa sociedade. Foi confinada às UTIs dos hospitais, escondida das crianças, apagada das conversas... Numa cultura que valoriza o prazer e o sucesso, ninguém gosta de se lembrar da existência de perdas. Mas elas existem e foram escolhidas pela pastora Blanches de Paula como tema de um doutorado em Ciências da Religião. Além de teóloga, a Revda. Blanches é psicóloga e professora da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista. Nessa entrevista, ela fala como a comunidade de fé pode se tornar uma rede de apoio a quem sofre, colaborando com a formação de uma sociedade mais saudável. O título desta entrevista é o lema da organização não governamental portuguesa A Nossa Âncora (www.anossaancora.pt), criada para dar suporte psicológico a pais e mães enlutados. Esse lema resume o desafio do ser humano diante da morte: percorrer todas as fases do luto até aceitar a perda e abraçar a vida, com gratidão ao seu Criador.

Por que você escolheu o luto para tema de seu doutorado?

Há cinco anos tivemos um curso de aconselhamento sobre "tristeza e depressão", promovido pelo Instituto de Pastoral da Faculdade de Teologia. Convidamos Maria Júlia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte da Universidade de São Paulo, para fazer a palestra de abertura. Ela falou sobre a dor da perda. Comecei a me interessar pelo tema e fui fazer um curso na USP como ouvinte. Na época, eu estava pensando em fazer doutorado na área de psicologia. Mas, depois, vi que seria interessante abordar este tema sob a ótica das Ciências da Religião.

As igrejas sabem como lidar com a questão do luto?

De maneira geral, temos muita dificuldade em lidar com perdas. Luto não é só quando morre alguém; sofremos perdas desde que nascemos: perda de emprego, divórcio, mudanças repentinas. Também há fases do desenvolvimento humano que envolvem perdas. Por exemplo: para chegar à adolescência é preciso perder a infância. Essas são questões existenciais que precisamos enfrentar. Saber lidar com o limite é saudável, não só do ponto de vista humano, mas também do cristão. Infelizmente hoje há tipos de teologia que incentivam mais o ganhar do que o aprender com as perdas e os sofrimentos.

Também tenho notado que as igrejas que passam por problemas de divisões ou grandes perdas de membros têm dificuldades em expor o trauma, discuti-lo abertamente. Passam-se 30 ou 40 anos e as pessoas ainda se lembram do ocorrido - não conseguem esquecer porque não tiveram condições de vivenciar o luto. Por isso, é necessário trabalhar uma maneira de fazer um aconselhamento pastoral mais "comunitário" - toda a comunidade tem que refletir sobre o significado da perda para sua experiência de fé e maturidade.

Como a comunidade pode ajudar o enlutado?

Já ouvi vários relatos de pessoas enlutadas que chegam a ter vergonha de demonstrar tristeza na igreja, pois ouvem frases do tipo "você tem que ter fé", "você tem que reagir".Mas o que a pessoa enlutada sente não é pecado, é uma reação esperada. Diante do luto ou da iminência de perda, existem vários estágios pelos quais se costuma passar: negação, raiva, barganha com Deus (negociações do tipo: "se eu sobreviver a esta doença, vou ser mais fiel"), depressão e, finalmente, a aceitação.

O que se pode fazer pelas pessoas que estão passando por estas fases?

A questão de negar o que aconteceué uma das mais desafiadoras: para enfrentar a realidade da morte de alguém querido, por exemplo, é importante se desfazer dos objetos da pessoa que faleceu. Alguém da igreja pode ajudar nesta tarefa. Também não se deve ocultar a realidade das crianças, usando expressões do tipo "seu pai viajou". A criança entende literalmente e ficará esperando o pai voltar. Algumas igrejas metodistas mantêm a tradição de fazer o "culto em memória". Acho que esse é um ritual importante para a família. Quanto à reação da revolta, é preciso dar o suporte da escuta, sem repreensão. Quando a pessoa consegue expor a raiva, ela tem condições de entrar em outra fase. Às vezes orar ou ficar em silêncio junto com a pessoa é a única coisa que podemos fazer. É preciso resgatar a dimensão terapêutica da oração. Deixar que Deus atue da forma que Ele quiser. Isso é importante para a pessoa que tenta "barganhar" com Deus. Ela precisa aprender a lidar com aquilo que não consegue mudar. Por isso, até nossa forma de orar deve adquirir um significado novo. Orar é dialogar!

E quanto à tristeza, como é possível saber até onde ela é normal e quando já se tornou patológica?

A média de elaboração de todo o processo de luto (segundo pesquisas na área) é de dois anos, variando bastante de pessoa a pessoa. Um estado depressivo que se estende por muito tempo pode, de fato, ter se tornado uma condição patológica, ou seja, uma doença. Nesse caso, é necessário encaminhar a pessoa a um psicólogo ou médico psiquiatra - o que, para muitas pessoas, ainda é um tabu. Tem gente que se esquece de que Deus também usa os talentos dos profissionais. Contudo, eu defendo que a Igreja continue prestando assistência à pessoa enlutada. O/a pastor/a pode ser tentado a fazer o encaminhamento quando não tem coragem de enfrentar a situação. Há casos de pessoas que tiveram assistência da igreja nos primeiros dias depois da perda e depois se sentiram abandonadas. A presença pastoral em situações de perda é salutar quando evocamos a dimensão consoladora do cuidado de Deus.

Mas nem todo mundo tem aptidão para visitar ou falar com o enlutado, não é?

Isso é um fato que ocorre, também, no ministério de visitação hospitalar: nem todo mundo tem vocação ou foi devidamente preparado para saber o que falar, como se portar no ambiente hospitalar, etc. E para dar esse tipo de assistência também é necessário fazer uma auto-reflexão sobre as próprias perdas. Uma iniciativa interessante de algumas igrejas é a criação de grupos de suporte ao luto, muitas vezes coordenados por pessoas que já passaram pelo problema. O grupo é acionado quando morre alguém da comunidade e fica disponível para cuidar de todos os detalhes - desde ajudar no funeral até lidar com seguro, inventário, compra de alimentos e suporte emocional. A comunidade de fé pode ajudar muito neste momento. Precisamos lembrar que nossa teologia é baseada em Jesus Cristo, que chorou a perda do amigo Lázaro e se permitiu perder a própria vida, por amor à humanidade. Ao lidar com as perdas e com os sentimentos que envolvem esse fenômeno humano, Jesus nos encorajou a viver e descobrir a cada dia aquilo que podemos fazer hoje sem deixar para o amanhã. Aí está uma semente de esperança.

Suzel Tunes


Fonte: http://www.revistaentheos.com.br/

O filme Avatar como vivência religiosa e as implicações para a teologia prática


De Júlio César Adam*


Nas férias de verão, assim como alguns milhões de pessoas no planeta, fui assistir o filme Avatar, do diretor James Cameron. Além da empolgante propaganda na TV, sabia muito pouco sobre o filme. Não imaginava, no entanto, a intensidade de “religião” que encontraria nas quase três horas de filme.

PARTE I:

Não só os avatares do filme deixavam seus corpos humanos para ingressarem no mundo dos na’vis. Todos nós, espectadores, éramos ligados a uma experiência, muito além do que um simples filme. Isto já seria um aspecto suficientemente religioso para se pensar. Ir ao cinema tem algo de ritual – a pipoca, as luzes que se apagam, o silêncio–, algo de simbólico – luz e movimento que nos conectam a histórias, mitos do lado de cá e da lá da tela –, algo de transcendente – vamos além de nós mesmos. Todos estes elementos são em si religiosos. Mas é no que se refere ao conteúdo, à história da Avatar, que aqui quero mais me deter. Começando pelo próprio título “Avatar”[1] termo proveniente do hinduismo, as diversas conexões estabelecidas entre seres imanentes e transcendentes, a Árvore das Almas, a divindade Eywa, localizada no lugar mais central e sagrado do mundo de Pandora.

Compreendo que é também tarefa da teologia e em especial da teologia prática buscar entender estes elementos “religiosos” presentes no filme e que, também ou justamente por isto, arrastaram milhões de pessoas de diferentes culturas e religiões. Estaria o cinema, através de filmes como Avatar, suprindo a sede religiosa do ser humano? Seria o cinema o grande culto dos habitantes da atualidade? O que tem a teologia cristã a ver com tudo isto? O que a teologia prática pode tirar desta “religião nas telas dos cinemas”?

Fenômeno da religião vivida

No limiar do século XXI vivemos um fenômeno religioso. Contra todas as pressuposições, vivemos um retorno e um incremento do religioso[2]. Ou seja, contrário às previsões de que o ser humano da era científica e tecnológica seria a-religioso, emancipado, vivemos um verdadeiro avivamento da religião, tanto da institucional, como da religiosidade que perpassa a cultura[3]. O retorno do religioso na contemporaneidade é um fenômeno complexo, multifacetado. Uma das suas características é a independência da religião de suas respectivas instituições. Vive-se uma transmigração de fronteiras confessionais. Outra característica é a manifestação do religioso na esfera dita “profana”, ou seja, fora da instituição religiosa, fora da igreja instituição, fora da própria esfera religiosa. Mais do que sincretismo, mais que transgressão de fronteiras, se diluem as próprias fronteiras entre sagrado e profano. É dentro desta característica, que esta análise do filme Avatar se enquadra.

Estamos vivenciando a religião que migrou para esfera da cultura popular e para o cotidiano da vida. Onde pois encontramos hoje pistas desta religião? Com certeza não apenas na Igreja. Podemos encontrá-la nas colunas de aconselhamento nas revistas e nas ilustrações dos personagens fictícios dos comic strips, nas páginas de horóscopo, e no vasto mercado dos livros esotéricos. Podemos encontrá-la nas artes plásticas com suas chocantes e questionáveis obras, apontando para nossa imperceptível transcendência cotidiana. Podemos encontrá-la na terapêutica com sua oferta de vivência individual e meditações sincréticas. Podemos encontrá-la em facções políticas, que exigem relações de inclusão social e asseguram identidades pessoais. Podemos encontrá-la no consumo, através das propagandas com promessas religiosas. Podemos encontrá-la na indústria do turismo, no culto em torno à alimentação e aos exercícios físicos, que faz do paraíso uma promessa[4].

Esta religião vivida no cotidiano está, pois, presente na literatura[5], nos heróis das histórias em quadrinhos[6], na moda e em tendências de comportamento[7], na música[8], na mídia[9] e no marketing[10]e, não por último, no cinema[11]. Tudo isto revela aspectos de uma sociedade na complexidade onde as idéias, expressões, necessidades, saberes, culturas se entrelaçam e precisam, para serem acessadas e entendidas, ser olhadas na inter-relação, na re-ligação.[12]


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* Júlio Cézar Adam é doutor em teologia, pastor da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil e professor na Faculdades EST, São Leopoldo/RS/Brasil.


[1] Conforme o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, avatar é cada uma das encarnações de um deus, sobretudo de Vixnu; transformação, metamorfose.

[2] ALVES, Ruben. O enigma da religião. 4. ed. Campinas: Papirus, 1988. p. 59-82.

[3] BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 205-230; RIBEIRO, Jorge Cláudio. Religiosidade jovem: pesquisa entre universitários. São Paulo: Loyola/Olho d’Água, 2009.p. 75-108.

[4] GRÄB, 1995, p. 47. (tradução do autor)

[5] MAGALHÃES, Antônio. Deus no espelho das palavras. São Paulo: Paulinas, 2000.

[6] . IRWIN, William (Coord.). Super-heróis e a filosofia: verdade, justiça e o caminho socrático. São Paulo: Madras, 2005; REBLIN, Iuri Andréas. “Para o alto e avante!”: mito, religiosidade e necessidade de transcendência na construção dos super-heróis. Protestantismo em Revista, v. 04, n. 02, mai./ago. 2005. Disponível em: http://www3.est.edu.br/nepp/revista/007/07iuri.htm,

Acesso em: 22 dez. 2008.

[7] LIPOVETSKY, Gilles, A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Cia das Letras, 2006. p. 131ss.; GALINDO, D., GUSSO, A. C. Quando o sagrado vira moda. In: MELO, José Marques de; GOBBI, Maria Cristina; ENDO, Ana Claudia Braun (Orgs.). Mídia e religião na sociedade do espetáculo. São Bernardo do Campo: UMESP, 2007. p. 62-78.

[8] CALVANI, Carlos E. Momentos de beleza: teologia e MPB a partir de Tillich. In: Portal de Publicações Científicas, n. 8. Disponível em: http://www. metodista.br/ppc/correlatio/correlatio08/momentos-de-beleza-2013-teologiae- mpb-a-partir-de-tillich Acesso em 21 mar. 2010.

[9] MELO, José Marques de; GOBBI, Maria Cristina; ENDO, Ana Claudia Braun (Orgs.). Mídia e religião na sociedade do espetáculo. São Bernardo do Campo: UMESP, 2007.

[10] BOLTZ, Norbert; BOSSHART, David. Kult marketing: die neuen Götter des Marktes, Düsseldorf: Econ, 1995. BECKS, Hartmut. Der Gottesdienst in der Erlebnisgesellschaft. Waltrop: Spenner, 1999.

[11] HERRMANN, Jörg. Sinnmaschine Kino: Sinndeutungen und Religion im populären Film. Gütersloh: Kaiser, 2000.; KIRSNER, Inge. Film, Fragment, Fraktal: eine kleine Kino-Apokalypse. In: STOLT, Peter; GRÜNBERG, Wolfgang; SUHR, Ulrike (Hrsg.). Kulte, Kulturen, Gottesdienste : öffentliche Inszenierung des Lebens. Göttingen : Vandenhoeck &Ruprecht, 1996. p,50-62.

[12] MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, 2006; MORIN, Edgar. A religação dos saberes: desafio do século XXI, 2.ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002.


Fonte: Artigo publicado na revista Signos de Vida, número 56, julho de 2010 (publicação do Conselho Latinoamericano de Igrejas)

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Cuidar da nossa Casa Comum, a Terra


4ª JORNADA ECUMÊNICA

01 de setembro de 2010
4ª JORNADA ECUMÊNICA: ECUMENISMO, ECOLOGIA, ECONOMIA E VIDA
"... e vossos jovens terão visões..." Joel 2.28
O FE Brasil, está oferecendo 250 bolsas integrais de hospedagem e alimentação, aos participantes da 4ª Jornada Ecumênica, a realizar-se de 11 a 15 de novembro de 2010, em Itaici, Indaiatuba, SP.
Os(as) contemplados(as) por essas bolsas, arcarão com os seus custos de transporte e pelo pagamento da taxa de inscrição de R$ 30,00.
Portanto todos(as) que pretendem participar - do FE Brasil, do FE Sul, das REJUs, Jornadeiros(as) de antigas e de primeira viagem - deverão enviar já, a sua ficha de inscrição, garantindo a sua bolsa integral para projornada@koinonia.org.br.
As inscrições que ultrapassarem as 250 bolsas integrais, pagarão o valor real de hospedagem e alimentação, que é de R$ 360,00.
Se você quer participar, mas não tem recursos para arcar com o transporte, procure se informar sobre as caravanas que estão se organizando a partir de Belém, Recife, Goiânia, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Informe-se com Marilía e Ana Gualberto, de KOINONIA (21) 3042 6445 ou koinonia@koinonia.org.br
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Então? O que você está esperando?
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Última Atualização ( 06 de setembro de 2010 )