segunda-feira, 28 de abril de 2008

O Deus de todos os nomes e o diálogo inter-religioso (II)






Michel Amaladoss


Religiões em conflito

O fato do pluralismo religioso no mundo não necessita ser demonstrado. Que hoje em dia as relações mútuas das religiões sejam conflituosas, mais ou menos hostis, quando não violentas, também é óbvio. Uma olhadela para a história mostrará que o conflito inter-religioso sempre esteve presente. Quando somos as vítimas, chamamo-lo de perseguições que produzem mártires. Por que as religiões haveriam de estar em conflito? Penso que há duas razões inter-relacionadas.

A primeira razão é que a religião é usada como ferramenta política. A política tem uma base social: um grupo, uma nação, um império. A fonte de unidade de tal grupo pode ser externa - como a dominação política ou militar, ou simplesmente, o território - ou interna - como língua, etnia, cultura ou religião.

Quando impérios entram em colapso e estados nacionais surgem, tais princípios de identidade e unidade são, particularmente, procurados. O Egito e a Roma da antiguidade tinham religiões estatais, em que o rei era divinizado. As pessoas que não reverenciavam o rei eram consideradas estranhas, e até inimigos. Quando os imperadores romanos se tornaram cristãos, eles usaram o cristianismo como força unificadora, chegando até, a convocar concílios ecumênicos para assegurar isso.

O islamismo não faz distinção entre religião e política. Mesmo hoje em dia, onde os mulçumanos são maioria o islamisno é a religião do Estado. O cristianismo desfruta de um papel quase oficial na Euro-América - não obstante a recente Constituição européia. O Nepal é um reino hindu. O Sri Lanka, a Tailândia e o Mianmar (antiga Birmânia) são estados budistas. O Japão é xintoísta. Na maioria dos países, os grupos religiosos minoritários são tolerados. O impacto de um certo tipo de cristianismo nas recentes eleições dos EUA é tão conhecido que dispensa comentários. Portanto, a religião é usada como fonte de construção de identidade e comunidade, além de justificar a situação existente.

Estando enraizada em dimensões últimas e até transcendentes da vida, ela talvez seja a mais poderosa força para a coesão social. Os políticos usam a religião, conscientemente, como meio fácil de juntar e unir as pessoas num grupo. Tal unidade abarcaria e transcenderia, até mesmo, desigualdades econômicas e sociopolíticas. As pessoas que pertencem à mesma religião são levadas a achar que compartilham os mesmos interesses econômicos e políticos. Mesmo onde se ratificam os direitos individuais, as relações sociais são determinadas por identidades grupais. Numa democracia majoritária, a religião da maioria é privilegiada.

Histórias recentes que giram em torno de crucifixos na sala de aula, tanto na Alemanha quanto na Itália, ilustram isso. Na Índia, que tem uma estrutura constitucional secular, um partido hindu vem buscando, sem sucesso, a dominação política por uma identificação simplista de cultura, relgião e nacionalidade. A comunidade islâmica, ou umma, procura transcender fronteiras nacionais.

Em tais situações, embora as causas reais do conflito inter-religioso sejam políticas, apoiadas por interesses econômicos, símbolos religiosos são usados para motivar as massas. Pode até ser que os líderes de tais movimentos não creiam, eles mesmos, na religião de que fazem uso como ferramenta política. Mas eles, certamente, jogam com a fé simples das massas.

Outra razão de conflito inter-religioso é que as religiões metacósmicas, reivindicando estar baseadas numa relevação especial de Deus ou na experiência privilegiada de um fundador, consideram-se o caminho único ou melhor para atingir o alvo da vida humana, como quer que esteja descrito. O cristianismo sustenta que Jesus é o único salvador e que todo mundo que é salvo está, de alguma maneira, relacionado com a Igreja. O budismo acentua que o único caminho para o nirvana é a senda mostrada pelo Buda. Os hindus crêem que, quaisquer que sejam as práticas que várias religiões venham a seguir, o único alvo delas é a unidade experencial, não-dual, com o Absoluto.

As religiões estão abertas para as outras, mas com base em suas próprias condições. Até mesmo essa abertura limitada desaparece quando elas são usadas como ferramentas políticas. Radicalizam mais ainda a divisão sociopolítica. O conflito é interpretado nbo contexto de um conflito cósmico contínuo entre o bem e o mal. Nós nos identificamos com Deus, ao passo que o outro, o inimigo, é identificado com o diabo. Então, os outros são demonizados, e a violência contra eles é considerada uma virtude.

As religiões que têm uma tradição sacrificial também podem justificar a maior parte da violência atribuindo-lhe um significado sacrificial. É assim que temos as cruzadas, as jihads e as guerras santas. A essa altura, as pessoas não sentem mais culpa ao matar quem segue uma outra religião; podem até considerar isso um dever sagrado. Estão até dispostas a sacrificar sua própria vida para cumpri-lo.

Qualquer teologia desenvolvida nesse contexto terá um papel duplo. Por um lado, tem de ajudar para purificar e transformar a religião em si numa força libertadora. Por outro lado, tem de tornar a religião uma força de colaboração, e não uma causa de conflito e violência.

Nesse ensaio, em que o primeiro passo, já mencionado, é pressuposto como óbvio, enfocarei a segunda dimensão dos relacionamentos inter-religiosos.

_____________________________________________


Michel Amaladoss é um jesuíta indiano. Diretor do Instituto para o Diálogo com Culturas e Religiões em Chennai. Professor no Vidyajyoti College of Theology, em Delhi. Autor de livros e artigos.

Esse texto faz parte do livro Teologia para Outro Mundo Possível, São Paulo, Ed. Paulinas, 2006, pp 373 a 391; organizado por Luiz Carlos Susin.

Nenhum comentário: