sexta-feira, 2 de maio de 2008

O Deus de todos os nomes e o diálogo inter-religioso (III)



Michel Amaladoss

Em busca de um método

Há duas maneiras de abordar o fenômeno do pluralismo religioso. Uma encara as religiões, por assim dizer, a partir de fora. Pode-se sustentar que essa seja uma abordagem "objetiva", "científica" ou "filosófica". A outra as encara a partir do interior da própria tradição religiosa na qual se crê e com a qual se está comprometido. Penso que esta é a abordagem teológica apropriada. Permitam-me ilustrar isso.

Algumas pessoas vêem a religião, de maneira abstrata, como um esforço para aprender e alcançar o "real" ou como caminho para a libertação humana. As religiões são, obviamente, muitas. Esse pluralismo é, então, abordado com uma estrutura pronta; exclusivismo, inclusivismo e pluralismo. Diz-se que uma religião é exclusiva quando ela reivindica ser o único caminho. É inclusiva se tolera outras religiões, mas com base em condições que ela própria estabelece. É pluralista se aceita muitos caminhos. O conflito inter-religioso só pode ser evitado se se adota uma posição pluralista.

À primeira vista, tal estrutura parece uma ferramenta útil para classificar as teologias da religião. Se olharmos para a teologia cristã, por exemplo,, veremos que alguns reivindicam que a Igreja é o único caminho para a salvação. São os exclusivistas. Outros aceitam um certo papel para as outras religiões, mas sugerem que o cristianismo é o melhor caminho ou tem a plenitude dos meios de salvação. São os inclusivistas. Os pluralistas afirmam que o cristianismo é um verdadeiro caminho para a salvação, mas que pode haver outros caminhos igualmente verdadeiros ou eficazes.

Embora todas as religiões sejam diferentes, elas ao menos desempenham o mesmo papel na sociedade humana. Alguns filósofos até sugiram, cinicamente, que o realmente "real", se é que existe, está, afinal, além de todos estes esforços humanos para o entender e expressar. Essa estrutura constituída por "exclusivismo, inclusivismo, pluralismo" tem dominado o campo da reflexão sobre o pluralismo religioso em anos recentes. Os teólogos da religião parecem sentir-se na obrigação de assumir uma posição em relação à ela. Até teólogos que se recusam a adotar o esquema são forçados a entrar nela. O problema é que poucos crentes em qualquer religião sentir-se-ão à vontade com tal posição pluralista. Não creio que essa estrutura seja uma ferramenta útil para a reflexão teológica. Não podemos ter uma teologia universal das religiões.

Os teólogos da libertação, mais do que outros, estão cientes de que o ponto de partida da reflexão teológica é o compromisso de fé. Isso tem dois elementos. Um deles é a experiência da vida com seus sofrimentos, problemas e perguntas. O outro é uma visão de fé que ajude a pessoa a enfrentar e viver essa vida. A reflexão teológica é uma correlação entre esses elementos que se ligam um ao outro. Tal relação pode levar à transformação mútua. Procuramos transformar a vida à luz de nosso compromisso de fé. Por outro lado, nossa compreensão e expressão da fé também poderão mudar à luz de nossa experiência e nossas lutas.

Hoje em dia, experimentamos o pluralismo religioso não apenas como um fato, mas como um problema. Se desejamos adotar uma abordagem positiva e dialógica para com outras religiões, precisamos encontrar um espaço para as outras religiões dentro de nosso universo teológico. Toda religião precisa fazer um esforço semelhante de dar espaço para outras religiões dentro de sua própria estrutura teológica. Só então elas poderão dialogar no âmbito da fé.

Penso que é nesse âmbito que se pode falar de diálogo inter-religioso real. Não é qualquer espécie de encontro inter-religioso que se qualifica como diálogo inter-religioso. Permitam-me explicar isso.

Continua...

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Michel Amaladoss é um jesuíta indiano. Diretor do Instituto para o Diálogo com Culturas e Religiões em Chennai. Professor no Vidyajyoti College of Theology, em Delhi. Autor de livros e artigos.

Esse texto faz parte do livro Teologia para Outro Mundo Possível, São Paulo, Ed. Paulinas, 2006, pp 373 a 391; organizado por Luiz Carlos Susin.

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