terça-feira, 30 de setembro de 2008

Comissão de Anistia indeniza religiosos que foram torturados



ALC

Brasília, segunda-feira, 29 de setembro de 2008 (ALC) - A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça decidiu, depois de analisar a documentação, reparar, indenizar e pedir escusas aos 13 religiosos ou pessoas ligadas a instituições eclesiais que sofreram perseguição política, foram presas e torturadas durante o período de exceção no Brasil.

O julgamento dos casos ficou a cargo da 11ª. Caravana da Anistia, realizado na sexta-feira, 26, no Memorial Dom Helder Câmara, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília.

"Foi muito choro, porque é impossível rever aquele momento histórico sem que venham à lembrança fatos e pessoas queridas que foram presas e que desapareceram", disse a diretora executiva da Coordenadoria Ecumênica de Serviço, Eliana Bellini Rolemberg, uma das anistiadas.

Ao falar perante a Comissão da 11ª. Caravana da Anistia, Eliana recordou a colega Heleni Guariba, que estava presa com ela na mesma cela, em São Paulo, e que foi torturada e está desaparecida. Lembrou ainda de Paulo Wright, companheiro da Ação Popular, também desaparecido.

A Caravana temática, que analisou os casos de indenização e reparação de religiosos, foi uma convocação da CNBB, do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), da Conferência dos Religiosos, da Comissão de Justiça e Paz, e da Igreja Metodista.
O secretário-geral da Igreja Metodista, bispo Stanley da Silva Moraes, representando o Colégio Episcopal, acompanhou os trabalhos da Comissão de Anistia e pediu perdão ao ex-pastor estadunidense Frederick Birten Morris, mais conhecido por pastor Fred, pela omissão da igreja na época.Stanley também manifestou solidariedade à diretora da Cese, que, ao ser presa, em fevereiro de 1970, estava em companhia de estudantes metodistas.

O pastor Fred, metodista, chegou ao Brasil em 1964. Dez anos depois ele foi preso, torturado e expulso do país por ter cedido sua residência para reuniões políticas contra a ditadura. Agora anistiado, ele vai receber pensão mensal de 2 mil reais (1,10 mil dólares) e uma indenização de 285 mil reais (cerca de 158 mil dólares).

Outro anistiado foi o arcebispo emérito da Paraíba, dom Marcelo Carvalheira, que receberá uma indenização de 100 mil reais (aproximadamente 55,5 mil dólares). Ele foi preso em 1968, quando era reitor do Seminário Maior do Nordeste, acusado de atividades subversivas e de dar guarida a pessoas procuradas pelo regime militar.

Foram anistiados, ainda, o pastor Alanir Cardoso, preso e torturado em 1969, as irmãs Helena Soares e Helder Dedendo, o pastor Peter Mc Carthy, preso em 1981.A diretora da Cese foi levada à Operação Bandeirante, um centro de investigações e tortura montado pelo Exército em São Paulo, em 1969, onde ela foi torturada por 20 dias. Passou dois anos na prisão, período em que seu marido e filha de poucos anos de idade, viveram em Paris, para onde ela se dirigiu assim que foi solta, em novembro de 1971. Só pôde retornar ao Brasil em 1979.

Eliana teve seqüelas físicas e psicológicas e não voltou a trabalhar na Secretaria de Educação do Estado de Sergipe. Ela foi indenizada e reparada. Receberá, por isso, uma pensão mensal de 4,7 mil reais (cerca de 2,6 mil dólares) e uma indenização de 714 mil reais (cerca de 396 mil dólares)."Uma reparação econômica jamais supre as seqüelas que ficaram. Dinheiro nenhum paga isso. Muito mais importante foi ouvir o pedido de perdão de parte do Estado", disse Eliana para a ALC.

A Comissão de Anistia fez referência à cartilha de Direitos Humanos, editada pela primeira vez pela Cese em 1973, no período militar, e agora reimpressa pelo Estado, em comemoração aos 60 anos da aprovação dos Direitos Humanos pela ONU. Na apresentação da Cartilha, Eliana conclama à construção de um outro mundo, que não seja mercadoria, sem desigualdades, plural e pacífico.

"Hoje não temos o Brasil que sonhamos. Por isso milito na Cese, que luta junto aos movimentos sociais para a construção de uma sociedade mais justa", afirmou Eliana.O ministro interino da Justiça, Luiz Paulo Barreto, acompanhou o julgamento dos religiosos em Brasília. Ele destacou o caráter ecumênico do evento e disse que é fundamental reconhecer o papel da Igreja, seja ela católica, anglicana ou evangélica, na proteção às pessoas perseguidas durante o período de exceção no Brasil.

"Muitos não tinham para onde ir e buscavam abrigo em templos. Esse papel hoje é reconhecido aqui nesse julgamento da Comissão de Anistia", declarou o ministro interino para a Agência Brasil.O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse que a 11ª Caravana, reunida em Brasília, é um momento histórico. "As igrejas sempre foram espaço de proteção dos injustiçados e perseguidos", afirmou.

O presidente da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha, distinguiu, na abertura da Caravana, perdão de impunidade. "Perdão não é sinônimo de impunidade. Sem perdão não há reconciliação. Sem reconciliação não há paz", explicou. Ele defendeu punição aos culpados por crimes contra os direitos humanos. Nilmário Miranda, ex-secretário Especial de Direitos Humanos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, receberá indenização de 100 mil reais por prisões e torturas sofridas nos anos 70 do século passado.

Apesar dos esforços das Caravanas da Anistia, a sociedade ainda não sabe o destino de 160 presos políticos desaparecidos na década de 70 do século passado, informou Miranda.A Caravana da Anistia foi criada em abril deste ano e já percorreu várias cidades, analisando casos de jornalistas, estudantes, e de outras categorias, presos e torturados no período de exceção no Brasil.



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